Atriz diz que se sente ‘mais forte’ desde que revelou o diagnóstico e já pensa em festa para celebrar 50 anos: ‘Tenho que comemorar muito’
Guta Stresser realizou, recentemente, uma ressonância magnética para o acompanhamento da esclerose múltipla, pouco mais de um ano após ser diagnosticada com a doença. O resultado foi satisfatório: as lesões no cérebro da atriz estão estacionadas, sem qualquer sinal de evolução.
A artista de 49 anos realiza o tratamento contra a progressão da doença, ainda sem cura, com o uso de um medicamento caro e de difícil acesso, o imunomodulador Fumarato de Dimetila, que passou a ser oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2020. Por mês, a atriz gastaria cerca de R$ 6 mil com o remédio, que precisa ser utilizado diariamente, tanto na parte da manhã quanto à noite.
— Estou super fechada com a farmácia do SUS. Esse mecanismo de acesso a medicamentos funciona muito bem. Isso sem falar que o remédio que uso é bem caro e não dá para encontrar em todo lugar — explica Guta. — Quando se fala de esclerose múltipla, é preciso lembrar que existem vários tipos da doença e vários tipos de medicamento para tratá-la, e nem toda pessoa se adapta ao mesmo remédio. No começo, por exemplo, tive uma reação e fiquei com a pele muito vermelha, sentindo calor. Minha médica falou para insistir e, com o tempo, fui me adaptando.
Por indicação de médicos, a artista também tem utilizado o óleo de canabidiol, substância encontrada em pequeno volume no caule e na folha da maconha, como um complemento ao tratamento. Neste ano, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, identificaram a ação terapêutica do composto (popularmente conhecido como “maconha medicinal”) na prevenção das consequências neurológicas e médicas gerais de doenças como depressão, dor crônica e esclerose múltipla.
— O canabidiol entra mais como um amigo. Acredito muito na potência da Cannabis na redução de determinados problemas. Ouço muitos relatos de pessoas que sentem o mesmo com o uso do canabidiol — diz ela.
Emoção com ‘onda de afeto’
Desde a última segunda-feira (20), quando revelou publicamente a doença, Guta Stresser tem recebido muitas mensagens no celular. São recados de apoio e solidariedade escritos por amigos como Lúcio Mauro Filho e Natália Lage, colegas no programa “A grande família” (2001-2014), além de fãs e pessoas que a atriz não conhece.
— Quando leio tudo, começo sempre a me debulhar em lágrimas e preciso dar uma desligada — conta Guta, conhecida do grande público como a Bebel de “A grande família”. — No momento em que passo por um processo de tristeza, que é esse diagnóstico assustador, fico emocionada com a “contra onda” de afeto e carinho, algo que não tem preço.
Não foi fácil o caminho até ali. Desde que recebeu o resultado de uma ressonância magnética, no início de 2021 — o exame apontou, à época, lesões no cérebro, indicando um quadro de “doença desmielinizante” (saiba mais abaixo) —, Guta lida com uma “longa e intensa” jornada para assimilar o fato. De início, compartilhou a notícia apenas com a família e o companheiro, o músico André Paixão. Teve medo de ser vista como “a atriz com esclerose” e, por isso, perder trabalhos.
A primeira pessoa, fora do núcleo familiar, para quem Guta Stresser revelou o diagnóstico foi a também atriz Ana Beatriz Nogueira, que lida com o mesmíssimo tipo da doença, em forma remitente-recorrente (com a ocorrência de surtos e melhora após o tratamento), desde 2009. As duas contracenaram juntas em “Malhação: vidas brasileiras”, em 2018. No ano seguinte à novela, dez anos após ser diagnosticada com esclerose múltipla, Ana Beatriz assumiu publicamente a condição.
— Ainda existe muito desconhecimento e preconceito com a doença — diz Guta. — E foi muito importante me abrir com a Ana. Na hora em que contei, ela me fez rir tanto no telefone… Foi maravilhoso! Ela pediu para eu ver a sigla da minha doença e confirmou que tínhamos o mesmo tipo. E aí falou: “Lembra que eu andava lá nos bastidores de ‘Malhação’ com uma bolsa térmica cheia de refrigerante geladinho? Então, é porque o calor, para gente, é um negócio horrível”.
Com a colega, Guta foi começando a se entender melhor e a ganhar mais calma. Doença crônica, autoimune e progressiva, a esclerose múltipla afeta o sistema nervoso e piora à medida que o sistema imunológico danifica uma substância chamada mielina, que protege as fibras nervosas do cérebro e da medula espinhal — daí o termo “doença desmielinizante”. Quando aparecem lesões ou cicatrizes, as células nervosas não conseguem se comunicar umas com as outras de forma eficaz.
A descoberta da doença
Os sintomas dessa doença complexa muitas vezes afetam a mobilidade, os sentidos, a fala, a visão e o equilíbrio. Guta reparou que “havia algo errado” pouco antes de participar do “Dança dos famosos”, no extinto “Domingão do Faustão”, em 2020. Em casa, levou um tombo, “como se de repente perdesse a força das próprias pernas”, como ela conta.
Ela, que sempre teve facilidade em decorar textos e gravar marcas cênicas, passou a ter dificuldade com coordenação motora ao dançar no palco do programa, aos domingos. Esquecia, vez ou outra, palavras básicas e passou a sentir tonturas e a ouvir um zumbido com frequência. Acreditando estar com labirintite, procurou um otorrinolaringologista e, diante de exames clínicos que não apontavam qualquer problema, solicitou um requerimento para uma ressonância magnética na cabeça, pois estava angustiada com a falta de diagnóstico. Descobriu, então, a doença.
Apesar do mecanismo da esclerose múltipla ser conhecido, a causa ainda é um mistério. Médicos reforçam, porém, que há tratamento, a despeito de a cura ainda não ter sido descoberta. Hoje, Guta toma o medicamento oferecido pelo SUS e realiza exercícios físicos e cognitivos com regularidade para reduzir os efeitos da doença.
— Há horas em que o corpo parece enferrujar e o músculo endurece. Então precisamos estar em movimento. Isso mexe com uma questão estrutural, já que preciso, sim, fazer ginástica, fisioterapia e uma autoanálise diária. Práticas que precisam ser feitas com o lado direito e esquerdo do corpo, alternadamente, são boas, porque exercitam também o cérebro. Voltei a ler com mais afinco. Não paro mais um livro na metade, para treinar o foco — conta ela, que também costuma se dedicar a sequências de ioga e exercícios de balé. — Para mim, realmente as dores e todos os sintomas aumentam no verão, quando está quente. Com a Ana (Beatriz Nogueira), fui aprendendo muita coisa. Ela tem muito conhecimento sobre a doença e me acolheu muito e me fez tranquila quanto à questão profissional. Ana me dizia, nesse período: “Você não vê que estou sempre trabalhando, menina?”.
Festa pelos 50 anos
Hoje, Guta reconhece que revelar publicamente a doença — e falar abertamente sobre ela — ajuda a minimizar os estigmas relacionados à esclerose. E percebe, pouco mais de um ano após receber o diagnóstico, que não dá para ficar paralisada diante do medo. Em 2022, ela encenará a peça “O casamento”, de Nelson Rodrigues, com a companhia Os Fodidos Privilegiados, em São Paulo. Em breve, iniciará a leitura de “Ana e o tenente”, espetáculo inédito de Rafael Camargo.4 de 4 A atriz Guta Stresser — Foto: Rahael Castello/Divulgação
— Passa um medo pela cabeça, do tipo: poxa, será que as pessoas vão parar de me chamar para trabalhar porque vão pensar ‘Ih, a Guta está com esclerose múltipla’. Esse é um medo. Meu trabalho é meu próprio corpo. Preciso decorar um texto ou então levantar um copo ou dar dez passos sem cair (risos). Fiquei, sim, com medo de as pessoas entrarem num preconceito e não me darem mais a oportunidade de trabalhar. Ser atriz é o meu sustento — desabafa. — Tive muito medo em abrir a doença. Mas hoje penso que o que não me mata me fortalece. Agora me sinto mais forte, de certa maneira. São muitas pessoas que também têm esclerose múltipla e vieram trocar informações. Vejo que há toda uma rede que se formou ao meu lado.
Em setembro, a atriz completa 50 anos de idade. Ela quer comemorar, e muito, a vida:
— Afinal de contas, é meio século. E agora, com a esclerose múltipla, tenho que comemorar muito esse aniversário (risos) — justifica ela, bem-humorada. — Fazer 50 anos assusta pelo lado natural da nossa finitude. Aliás, por acreditar na ciência, é que tenho a certeza dessa finitude. Sei que o relógio está correndo e que uma hora a vela apaga. Mas, vou te falar, estou muito melhor agora do que já estive antes, com relação à questão da idade. Realmente, me sinto melhor. Tem um lado da tranquilidade, sabe? Quero menos euforia.